CIRURGIA PARA ELIMINAR TOC
Nos últimos anos, muitos psiquiatras passaram a
acreditar que a última e melhor chance para algumas
pessoas com problemas mentais graves e incuráveis seria
a psicocirurgia, um procedimento experimental onde os
médicos operam diretamente no cérebro.
Centenas de pessoas se submeteram a cirurgias
cerebrais por problemas psiquiátricos, geralmente em
ensaios clínicos, com alguns resultados animadores.
Em 2009, o governo aprovou uma técnica cirúrgica para
certos casos graves de transtorno obsessivo-compulsivo,
ou TOC.
Pela primeira vez desde que a lobotomia frontal caiu
em descrédito, na década de 1950, a cirurgia para
problemas comportamentais parecia voltar ao caminho da
medicina geral.
Agora, porém, alguns dos mais importantes cientistas
do campo estão dizendo que a coisa "não é bem assim".
Num artigo na edição atual da revista "Health Affairs",
esses especialistas afirmam que aprovar a cirurgia para
TOC foi um erro _ e um erro potencialmente caro.
Eles argumentam que a cirurgia ainda não foi
suficientemente testada, que sua eficácia em longo prazo
e efeitos colaterais não são bem conhecidos, e que
chamá-la de "tratamento" eleva as esperanças dos
pacientes muito além do que seria cientificamente
indicado.
"Não somos contra a operação, apenas queremos vê-la
sendo testada adequadamente antes de ser considerada
como um tratamento", disse o principal autor do estudo,
o Dr. Joseph J. Fins, chefe de ética médica no hospital
NewYork-Presbyterian/Weill Cornell.
"Com o legado da psicocirurgia, é importante que não
chamemos as coisas de tratamento quando isso não é
verdade".
Os médicos que conduzem programas com a operação se
opõem veementemente.
"Estes pacientes são capazes de tomar decisões
conscientes com base em nossa experiência com a
cirurgia", disse o Dr. Wayne K. Goodman, diretor de
psiquiatria da Escola de Medicina Mount Sinai, "e eu não
gostaria de privá-los dessa opção _ da mesma forma que
eu não negaria, a um portador do vírus da AIDS, o acesso
a um tratamento promissor que ainda não foi
estabelecido.
Suas vidas foram tão destruídas pelo TOC que, sem a
cirurgia, eles começariam a pensar em suicídio".
O debate sobre esta questão _ uma cirurgia
experimental deveria ser permitida, em alguns casos,
antes que os longos testes sejam finalizados? _ irá
basicamente definir o curso futuro da psicocirurgia
moderna.
E pode também incitar a interpretação de uma obscura
lei da FDA (agência que regulamenta a produção e
distribuição de remédios e alimentos nos EUA), que
permite que os fabricantes comercializem um dispositivo,
sem provar rigorosamente sua eficácia, se ele for
destinado a tratar ou diagnosticar alguma doença
razoavelmente rara.
Foi essa isenção que a agência aplicou, em 2009, a um
dispositivo usado para realizar a suposta estimulação
cerebral profunda (ou DBS, da sigla em inglês) em
pacientes com TOC que não haviam respondido a outros
tratamentos.
Neste procedimento, um cirurgião insere fios no
cérebro e os deixa no local; um dispositivo similar ao
marcapasso envia uma corrente elétrica aos eletrodos,
interferindo com circuitos que parecem ser hiperativos
em pessoas com a doença.
A estimulação cerebral profunda possui um histórico
comprovado de reduzir os tremores e a rigidez do mal de
Parkinson; em estudos, médicos realizaram a operação em
pessoas com depressão e síndrome de Tourette, entre
outros problemas.
Ela é a uma das mais usadas técnicas de psicocirurgia
e a mais conhecida pelos médicos _ e aquela que, segundo
especialistas, tem maior probabilidade de definir as
expectativas e a imagem pública da psicocirurgia _ para
o bem ou para o mal.
Os autores do estudo em "Health Affairs" dizem que
esta é mais uma razão para revogar a isenção e sujeitar
a técnica a estudos adequados, usando pacientes de TOC.
Mesmo se o dispositivo for o mesmo, seus efeitos em
diferentes doenças devem ser estudados separadamente.
E esses estudos devem analisar a qualidade de vida, e
não só a gravidade da doença.
Num estudo de 2008, pesquisadores suecos descobriram
que os pacientes que haviam feito outro tipo de cirurgia
para TOC, chamada de capsulotomia, mostraram sintomas de
apatia e falta de autocontrole durante anos após o
procedimento _ mesmo tendo sido classificados num grau
menor de gravidade.
"Apenas porque reconhecemos uma necessidade pela
cirurgia, isso não significa que não temos de proceder
de forma agnóstica e científica para ver se ela
realmente melhora a vida das pessoas", afirmou uma
co-autora do artigo, a Dra. Helen S. Mayberg da
Universidade de Emory, neurologista pioneira no uso da
DBS para depressão.
Ela e muitos dos outros autores _ incluindo o Dr.
Bart Nuttin, dos Hospitais Universitários de Leuven, na
Bélgica, que publicou o primeiro relato sobre o uso da
DBS contra o TOC há cerca de uma década _ possuem
patentes ligadas aos procedimentos ou receberam
financiamento da indústria para seus trabalhos.
Isso também ocorreu com muitos outros no campo, e o
novo artigo argumenta que os interesses comerciais
agiram para empurrar a DBS ao mercado psiquiátrico à
frente da ciência.
Mesmo assim, os médicos que oferecem a cirurgia dizem
que a maioria dos autores do artigo não trabalham
extensivamente com o transtorno obsessivo-compulsivo.
"Eu acho que a FDA agiu corretamente", disse por
e-mail o Dr. Benjamin D. Greenberg, psiquiatra da
Universidade Brown que dirige o programa de cirurgia de
TOC no Hospital Butler, em Providence, Rhode Island.
"Os dados sobre a eficácia não são perfeitos, e é por
isso que estamos realizando um estudo controlado.
Mesmo assim, eles são substanciais".
A cirurgia para problemas de comportamento pode ficar
restrita a estudos ou continuar sendo oferecida através
de uma isenção da lei; em ambos os casos, todos
concordam que o campo deveria criar um registro de todas
as pessoas submetidas a cirurgias para problemas
psiquiátricos.
Alguns pacientes podem melhorar com o tempo, por
exemplo, outros podem entrar em colapso: ninguém sabe,
pois ninguém acompanha sistematicamente um grupo grande
de pacientes ao longo dos anos.
"Só porque tudo parece estar bem logo após um
procedimento", disse Mayberg, "isso não quer dizer
necessariamente que o tratamento é eficaz e que seu
trabalho terminou". Fonte
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