São Paulo, 05 (AE) - Mark Zuckerberg agradece o
prêmio que acabou de receber da "Time", eleito "pessoa
do ano de 2010" segundo a revista - que também já elegeu
Hitler (1939), Stalin (1938 e 1942) e "Você" (2006) como
personalidade do ano. Mas no meio de sua fala de
agradecimento, um problema na transmissão faz surgir na
tela a imagem do jornalista australiano Julian Assange,
fundador do WikiLeaks que invade o pronunciamento do
Cidadão Zuck para falar algumas verdades sobre a escolha
da revista.
Bebendo uísque numa sala de estar em algum lugar
remoto do mundo - a janela mostra o exterior, à noite, e
está nevando -, ele troça da escolha da revista
("'Time', sempre à frente: descobriu o Facebook apenas
algumas semanas depois da sua avó") antes de falar uma
verdade sobre a escolha da revista: "Vejamos: eu dou de
graça para todos informações particulares sobre as
corporações e sou um vilão. Mark Zuckerberg vende as
suas informações particulares para corporações e ele é o
homem do ano". Hmmm...
A cena é, na verdade, um quadro do programa
humorístico norte-americano "Saturday Night Live":
Zuckerberg é interpretado por Andy Samberg (conhecido
por ter transformado em hit o quadro "Dick in a Box", ao
lado do cantor Justin Timberlake) e Assange é
interpretado por Bill Hader (que vive um dos policiais
na comédia "Superbad - É Hoje"). Mas, apesar de ser
apenas uma piada, o quadro escancara a principal
tendência para 2011 no que diz respeito ao mundo
digital. Afinal, WikiLeaks e Facebook têm muito mais em
comum do que simplesmente o fato de serem ambientes
nascidos na internet.
Ambos sites lidam com dois temas urgentes nos dias de
hoje: exposição e sigilo, que podem ser vistos como um
só - privacidade ou segurança, dependendo do ângulo. A
forma como os dois sites lidam com informações que em
décadas anteriores se restringiam a círculos privados
restritos (desde as altas cúpulas executivas ao recanto
tranquilo de seu lar) acaba por torná-los gêmeos de
índoles diferentes, como o citado quadro do "Saturday
Night Live" faz crer.
Afinal, são quase gêmeos mesmo: embora tenha sido
criado em 2004, foi só em setembro de 2006 que o
Facebook abriu seus cadastros para qualquer um que não
fosse estudante universitário (a rede social era
restrita a esse tipo de usuário até então). E no mês
seguinte, era registrado o domínio do WikiLeaks, site
que só foi lançado de verdade em dezembro daquele ano.
Ambos lidam com uma questão crucial na era digital:
de quem são os dados que circulam na rede? Mais do que
isso - a quem pertence a informação no mundo
pós-internet? Aquela foto que você tirou no réveillon é
sua? E se alguém passou atrás na hora em que você tirou
esta foto? E se esse alguém não queria ser visto naquela
comemoração de ano novo? Você está infringindo seus
direitos autorais ou sua privacidade? Ou será que, como
prega o CEO do Google, Eric Schmidt, se você tem algo a
esconder, talvez fosse melhor que você nem estivesse
fazendo?
São questões sem resposta - ainda. Mas algumas dicas
sobre o futuro deste debate apareceram em algumas capas
de revista durante o ano que passou. Uma delas foi da "Wired"
de agosto, que declarou a morte da web. Polêmica, a capa
abriu um debate sobre a natureza da internet e como nos
relacionamos com ela. A revista advogava que, uma vez
que as pessoas estão acessando a rede cada vez mais por
telefones celulares, a interface feita para computadores
no início dos anos 1990 (a World Wide Web) estava
perdendo espaço para outras formas de utilização da
internet.
Fato: a internet não pertence mais apenas aos
computadores. E, uma vez que está à disposição de
qualquer aparelho que se conecte a ela, dá para subir
informações de qualquer lugar. Seja comentar em um blog,
publicar uma foto ou atualizar sua conta no Twitter.
Deixando de lado a questão técnica sobre a natureza da
rede, levantada pela revista, e trazendo o assunto de
novo à nossa discussão, o fato de a internet não ser
mais uma rede e sim várias faz com que se perca
completamente o controle sobre qualquer coisa que seja
publicada online.
Outra capa pegou carona nesta discussão para
ampliá-la: na edição de dezembro da revista "Scientific
American" trouxe ninguém menos que Tim Berners-Lee,
criador da World Wide Web, para escrever sobre estas
mudanças que estão ocorrendo na rede. No artigo "Vida
Longa à Web", o cientista reclamava que estas diferentes
sub-redes criadas dentro do ambiente digital poderiam
matar a essência da internet como a conhecemos hoje.
Redes fechadas de venda de conteúdo (como as criadas
pela Apple, Microsoft, Sony e Nintendo) ou ambientes que
se esforçam para trazer todo o conteúdo online para o
mesmo lugar (como tentam Google e Facebook) tornam a
navegação fragmentada e a rede, que antes permitia a
comunicação de todos com todos, se tornaria menos
entrelaçada e os diálogos, dispersos, isolados. Esta
balcanização da rede poderia deixar a internet mais
estagnada, menos frutífera, mais controlada.
O que nos leva à terceira capa de revista, com
Zuckeberg eleito como personalidade do ano pela "Time"
no fim de 2010. Seria Mark o criador de um ambiente
propício à interação, ligando milhões de pessoas entre
si ("O conector", diz a legenda de sua foto na capa da
revista)? Ou ele é o dono de um império de informações
construído a partir de nossos dados? A quem pertencem as
informações contidas no Facebook? A todos que estão lá
ou à empresa fundada quase no susto por um ex-estudante
de Harvard?
Se estas questões seguem em aberto, elas voltam para
nós como um alerta: cuidado com o que você publica
online. Mas tal ressalva não depende de cada um de nós,
uma vez que basta fazer compras na Amazon para que seus
dados - sua lista de compras, seus hábitos de consumo -
se tornem públicos (ou, ao menos, públicos para a Amazon).
Usar a internet quase que pressupõe a autopublicação e
mesmo que você apenas "curta" um link que um amigo
colocou no Facebook, você está publicando algo.
Por isso é bom entrar em 2011 com isso em mente: uma
vez online, seus dados não são mais seus. Mesmo que isso
ainda não seja regra, é bom trabalhar sabendo disso - é
uma lógica que vale tanto para pessoas quanto para
empresas e instituições. Afinal, a qualquer minuto
alguém pode levantar diversos dados sobre você e
jogá-los para todos - vide o que fizeram com Julian
Assange depois que ele começou a vazar documentos
confidenciais dos Estados Unidos. E pode ser que, depois
de uma década "social", comecemos a encarar a internet
como uma rede de potencial antissocial, em que todos
estão vigiando todos. Em algum lugar, George Orwell,
autor do clássico "1984", no qual o Big Brother vigiava
a todos, sorri sem graça. Fonte