Jornalista brasileira vira
parceira do site WikiLeaks
São Paulo, 15 (AE) - Sempre munida de gravador,
notebook e câmera, ela já esteve com refugiados
tibetanos no norte da Índia, indígenas sob massacre na
Colômbia, cholas bolivianas e em favelas de Cancún.
Agora, está no olho do furacão. Foi a brasileira
escolhida por Julian Assange para traduzir e publicar em
primeira mão documentos do WikiLeaks sobre o Brasil.
Agora, a vida da jornalista Natália Viana está, como
define, uma "loucura". Suspeita que celular e e-mails
sejam monitorados. Mas conta, em entrevista por e-mail à
reportagem, que já tem certeza que esses documentos
estão mudando a realidade dos governos mundiais.
Natália está publicando documentos do WikiLeaks em
português. Também é a responsável por traduzi-los e
produzir matérias diárias para um blog e para o wiki do
projeto. Seu envolvimento com o WikiLeaks começou a ser
traçado há quatro anos, quando ela foi fazer mestrado em
Londres. Se envolveu com centros de jornalismo
investigativo e começou a colaborar com veículos
estrangeiros, como os jornais ingleses "Independent" e "Guardian".
"Participei de investigações interessantíssimas sobre
corrupção transnacional, abusos de empresas
multinacionais, guerra biológica", conta. De volta ao
Brasil, estreitou o contato com os jornalistas
investigativos de fora. E conheceu o pessoal do
WikiLeaks, "muito querido e respeitado neste meio".
Natália virou parceria do site recentemente, para
ajudar na divulgação do Cablegate. Ela conta que, lá
dentro, o trabalho é feito por diversos colaboradores
voluntários que se comunicam "o tempo todo" através de
mensagens seguras. É como uma agência de notícias.
"Discutimos a pauta, como será o ângulo, quem vai editar
e a hora. Como cada um está em um lugar, os horários são
diferentes, então temos de coordenar para conseguir que
o material saia na hora certa", explica. Natália conta
que não há rotina. "A coisa caminha de acordo com o que
acontece no dia", diz, exemplificando com os últimos
acontecimentos desde que o WikiLeaks vazou 250 mil
documentos diplomáticos dos EUA. "O site sofreu ataques
hackers, foi tirado da Amazon, o dinheiro foi cortado e
o Julian foi preso. Claro que tudo isso acaba
prejudicando o trabalho, mas continuamos firme".
Segundo ela, o trabalho é feito por todos, não apenas
por Julian Assange. O fundador do WikiLeaks acabou
virando uma figura emblemática do mundo atual -
australiano, ele vivia na Suécia nos últimos meses e foi
preso logo após a divulgação dos documentos, com a
alegação de "crimes sexuais".
Natália diz que gosta muito dele. É uma pessoa, diz
ela, que "nunca fala frivolidades. Nunca vai ficar horas
falando sobre o tempo". Ele não fala muito, mas fica
ligado o tempo todo em quem está apoiando e "armando
contra o WikiLeaks". "Ele tem uma causa que é
maravilhosa, porque questiona os limites do que é
jornalismo, do que é transparência e do que deve ser
privado e público, é uma compreensão única do potencial
da internet. O Julian é um visionário", diz.
Assange viveu em relativa tranquilidade mesmo com seu
WikiLeaks, fundado em 2007, vazando documentos cada vez
mais perturbadores. O site ganhou dois prêmios
importantes, da revista "Economist" e da Anistia
Internacional, e começou a incomodar os EUA neste ano,
ao revelar abusos do exército americano no Iraque e
Afeganistão.
O fundador do WikiLeaks pediu visto de residência na
Suécia em agosto. Dois dias depois, foi emitido um
mandado de prisão contra ele por "crimes sexuais". A
promotoria sueca recuou, até que em setembro outra
promotora reabriu o caso. O pedido de visto foi negado
e, em novembro, Assange recebeu outro mandado de prisão.
Em 20 de novembro, o fundador do WikiLeaks entrou para a
lista de procurados da Interpol; pouco depois, a justiça
sueca recusou a apelação. E, no meio desse trâmite, o
site soltou para o mundo os 250 mil telegramas secretos
do Departamento de Estado norte-americano.
ENTREVISTA
Natália entrevistou Assange pouco antes de ele ser
preso. Ele se entregou para a polícia de Londres na
terça-feira, 7. Na entrevista, Assange negou as
acusações de espionagem e crimes sexuais.
"A alegação de estupro é falsa e vai acabar se
extinguindo quando os fatos reais vierem à tona", disse.
Ele ainda explicou que o que seu site faz não é
espionagem. "O WikiLeaks recebe material de 'whistle-blowers'
(pessoas que denunciam algo errado onde trabalham) e
jornalistas e os entrega ao público. Nos acusar de
espionagem quer dizer que teríamos de trabalhar
ativamente para adquirir o material e o repassar a um
estrangeiro."
Natália conta que, durante a entrevista, "ele estava
bastante irritado" por causa das retaliações das
empresas ao site. A Amazon suspendeu a hospedagem, e o
PayPal cancelou a conta que o site usava para coletar
fundos. "Mas ele também não é de perder a cabeça. Ele
simplesmente põe a cabeça dele e de outros membros para
funcionar a bolar o próximo passo", descreve Natália.
Antes do vazamento, a jornalista conta que o pessoal
de dentro do WikiLeaks sabia que algo grande estava por
vir. "Os colaboradores tiveram acesso ao material antes
do lançamento. Todos sabiam que era muito relevante e
potencialmente bombástico." Ela conta que Assange a
procurou porque sabia que o Brasil "é uma referência
para quem luta por software livre ou trabalha com
cultura digital". "O WikiLeaks me perguntou se eu tinha
interesse em participar do projeto, lendo os documentos,
elaborando uma estratégia de divulgação aqui no Brasil
e, principalmente, estudando os documentos para fazer
matérias em português." Os documentos vazados falam
sobre a gestão Lula entre 2003 e 2010. "Até agora o
público pôde ver casos de lobby a favor de empresas
americanas, como os EUA procuram usar a proximidade com
o ministro da Defesa e o chefe das Forças Armadas, como
o governo esconde que faz operações de contraterrorismo,
e que os EUA pretendem lucrar com a segurança nas
Olimpíadas", conta a jornalista.
Ela já imaginava que o vazamento teria uma grande
repercussão, mas não tinha ideia do tamanho da reação
dos EUA, que responderam com pressão sobre as empresas,
bloqueio de fundos e ameaças a Assange. "Poxa, isso só
mostra que eles não sabem como lidar com algo que é
novo", diz. O WikiLeaks é um opositor inédito e está
fora dos enquadramentos legais normais. Por isso,
Natália acredita que os vazamentos já estão mudando a
realidade. "Ficam tentando arrumar um conceito penal
para poder dizer que o que o WikiLeaks - e o Julian
especificamente - faz é crime. Mais que o conteúdo dos
telegramas em si, o desespero dos EUA vem de não saber
como lidar com esse conceito de transparência radical
possibilitada pela internet", reflete.
BOX
Do prêmio à prisão
O WikiLeaks surgiu para abrigar e divulgar documentos
secretos. Logo foi reconhecido como um veículo
importante para circular a informação. Até que começou a
incomodar.
2007
O Wikileaks surge em dezembro de 2006, mas é mantido
em segredo até o início de 2007. A autoria era atribuída
a dissidentes chineses, jornalistas, matemáticos e
empresários de vários países
2008
O Wikileaks ganha o prêmio "New Media Award" da
revista "The Economist". No ano seguinte, outro prêmio:
Media Award 2009, da Anistia Internacional
2010
ABRIL
O site publica vídeo de 2007 que mostra um
helicóptero Apache atacando civis no Iraque. Em julho,
são publicados segredos de guerra do Afeganistão
AGOSTO
Julian Assange, fundador do site, entra com pedido de
residência na Suécia. Logo depois é acusado pelo governo
por crimes sexuais; começa a batalha judicial
OUTUBRO
Wikileaks publica quase 400 mil documentos sobre
torturas e ataques na Guerra do Iraque. No início de
novembro, Assange entra para a lista de procurados da
Interpol
NOVEMBRO
O site publica os 250 mil documentos da diplomacia
americana. Assange se entrega à polícia, e a Amazon
suspende a hospedagem. Site se torna clandestino