Lei sobre Crimes de
Informática recebe parecer favorável na Câmara
São Paulo, 27 (AE) - Ela fez muito barulho nos
últimos dois anos, mas passou quase despercebida em
2010. A Lei sobre Crimes de Informática (PL 84/99),
também conhecida como Lei Azeredo ou "AI-5 Digital",
esteve tramitando na Câmara - e acaba de receber o
segundo parecer favorável dos deputados. Ela já passou
pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime
Organizado e acaba de ser aprovada pela Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Falta pouco
para ir ao plenário - e, de lá, ser aprovada pelo
presidente.
"Há uma pressão muito forte da sociedade para que
seja aprovada", justifica o deputado Régis de Oliveira
(PSC-SP), relator na última comissão que aprovou a lei.
"Ontem (quarta-feira da semana passada) mesmo eu assisti
a uma reportagem sobre crimes pesados como pedofilia,
invasão de bancos por hackers, que estão sem previsão
legal". O deputado explica que o projeto já estava
pronto há alguns meses esperando uma negociação com o
Ministério da Justiça e outros deputados. "Eu falei 'não
vou mais segurar isso'. Pode ter algum problema? Vamos
ter que resolver. Já há a convenção de Budapeste por
trás. É só fazermos o texto. Aprova o que tem que
aprovar e depois a gente vai consertando."
O texto apresentado pela CCJ apresenta algumas
modificações ao projeto original enviado à Câmara em
2008 pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). As mudanças
foram baseadas na Convenção de Budapeste, legislação
internacional sobre crimes eletrônicos firmada em 2001,
da qual o Brasil não é signatário. O texto do tratado
tipifica, entre outros, o crime de violação de direitos
autorais e propõe o armazenamento de dados de navegação
em tempo real. "O Brasil tem de se adaptar ao texto",
diz Oliveira, que consultou delegados e especialistas em
direito digital para a modificação.
"O texto melhorou porque responsabilizou o provedor
de conteúdo. Na convenção de Budapeste há este ponto",
explica Alexandre Atheniense, advogado especializado
direito digital.
BRIGA
Os pontos polêmicos que levaram a lei a ser batizada
de "AI-5 digital" continuam. O texto original atribuía
aos provedores de acesso a responsabilidade de armazenar
e fornecer informações de navegação para a apuração de
crimes. Agora, os provedores de conteúdo, isto é
serviços de e-mail e publicadores de blogs, além do
Google, por exemplo, também passarão a ter essa
responsabilidade.
"Os provedores têm a obrigação de guardar os dados,
esse ponto está pacificado pela jurisprudência", explica
o advogado Renato Opice Blum, que foi um dos consultados
por Régis de Oliveira. "É só o IP, mostra o local de
origem, e não o conteúdo. É como o número de telefone, e
não a conversa", explica.
Oliveira diz que é a favor do armazenamento de todos
os dados. "Só assim vamos combater a pirataria, os
hackers, esse pessoal todo que usa computador para fins
inadequados."
Além disso, outra mudança é que os dados poderão ser
divulgados ao Ministério Público ou à polícia sem a
necessidade de uma ordem judicial. O texto do projeto
compara isso a uma ocorrência na rua: "Quando um ônibus
atropela alguém e a placa é anotada, a autoridade
policial não necessita solicitar ao juiz que determine a
remessa do dado (de quem dirigia etc.)".
Atheniense teme que, com essa redação, o "provedor
seja compelido a passar mais informação do que o objeto
de investigação". "Você está indo contra a Constituição
que prevê a quebra de sigilo de dados só por ordem
judicial. Poderia haver vulnerabilidade em relação à
invasão de privacidade", critica.
"Essa é uma mudança grave para pior", critica Paulo
Rená, que foi um dos responsáveis pelo Marco Civil da
Internet quando trabalhou no Ministério da Justiça e
autor de um mestrado sobre o acesso à internet como
direito no Brasil. "O projeto segue a linha da
criminalização do uso da internet. A tecnologia é
tratada como se fosse uma fonte de riscos para a
sociedade", diz ele. "Basta um pedido para que os
prestadores de serviço fiquem com a atribuição de vigiar
seus clientes."
Blum diz que "nenhuma lei vai ser perfeita". "É para
isso que serve o judiciário. Mas podemos caminhar para
evoluir", explica. O deputado Regis de Oliveira sabe que
a briga é forte e diz que está disposto a alterar o
projeto de lei "se houver pressão". "Meu texto não é
fechado. Não sou especialista", diz.
O Ministério da Justiça diz que está analisando o
novo texto do PL 84/99 e, por enquanto, não se
manifestará sobre o tema. Mas o órgão, por meio de sua
assessoria, diz que "está aberto ao diálogo com
congressistas e com a sociedade para a construção de um
consenso em torno da regulação da internet".
Embora reconheça que o texto apresentado por Oliveira
tenha algumas melhorias pontuais, Paulo Rená critica o
fato de o legislador não ter citado o Marco Civil da
Internet, legislação criada pelo Ministério da Justiça e
discutida ao longo deste ano que garantiria direitos dos
internautas - como privacidade, liberdade e
neutralidade.
O Marco apoiaria alguns temas propostos no PL 84/99,
como a guarda de registros de navegação. Mas Atheniense,
por exemplo, diz que ainda é cedo para fazer um paralelo
entre as duas propostas de regulamentação. "Estamos
falando de uma lei que está tramitando há 11 anos no
Congresso. O Marco Civil é bem intencionado, mas não
nasceu ainda. Quando for ao Congresso, passará por uma
série de comissões, ainda vai haver muito debate. É
preciso se basear no que está mais próximo de se tornar
lei."
E, sim, está próximo. O projeto agora tramita na
Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e
Informática da Câmara e espera o parecer do deputado e
relator Júlio Semehini (PSDB-RJ). "A minha parte eu
cumpri", diz Oliveira. "Eu não fui reeleito, e não iria
segurar isso. E soltei agora até para acelerar o
processo". Ele acredita que a aprovação pode sair ainda
neste ano.
HISTÓRICO
1996
PRIMÓRDIOS - O PL 1.713/96, de Cássio Cunha Lima,
falava em "crimes cometidos nas redes de computadores".
Não foi adiante, mas seu relator sim.
1999
A BASE - Luiz Piauhylino (PTB/PE) se baseou no
projeto anterior para criar o PL 84/99, que tipifica
crimes como ataques de hackers e o uso indevido de
senhas.
2001
LÁ FORA - Mais de 50 países, como EUA e Japão,
assinam a Convenção de Budapeste, lei mundial sobre
cibercrimes. O Brasil não é signatário.
2003
NO SENADO - A Câmara aprova e encaminha o projeto
para o Senado. Lá, sob relatoria de Eduardo Azeredo, ele
é anexado a outros dois: PLS 76- 2000 e PLS 137/2000.
2008
BATISMO - As mudanças criam o nome "Lei Azeredo".
MADRUGADA - Senado aprova o texto em 11/7. PL volta
para a Câmara.
2009
CONTRA - No mesmo dia começam os protestos. É lançada
uma petição online; lei começa a ser chamada de "AI-5
digital" por causa do "vigilantismo".
NEGAÇÃO - O presidente Lula chama a lei de "censura"
durante o Fórum Internacional do Software Livre.
Deputados negociam o texto, enquanto surge o movimento
"Mega não".
2010
DE VOLTA - Depois de meses de relativo silêncio,
parlamentares aprovam o texto em duas comissões. A
primeira, em 5 de agosto; a segunda, em 6 de outubro.
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