São Paulo, 12 (AE) - Foi com ceticismo que
interrompi minhas férias por três horas, na semana
passada, ao entrar em uma sala de cinema nos EUA para
assistir ao filme sobre o Facebook. Líder nas
bilheterias daquele fim de semana, "A Rede Social"
também recebeu aplausos e elogios de quase todas as
publicações norte-americanas - citar uma lista só com os
veículos que lhe deram cotação máxima em suas avaliações
enumera nomes que vão de carros-chefe da indústria como
"Hollywood Reporter" e "Variety" a revistas como "Time",
"Rolling Stone" e "New Yorker" e jornais como
"Washington Post", "Wall Street Journal" e "Los Angeles
Times".
Para completar, o filme reúne um time exemplar:
dirigido por um dos melhores cineastas de sua geração
(David Fincher, de "Clube da Luta" e "Zodíaco"), escrito
pelo mesmo Aaron Sorkin que deu ao mundo "West Wing" (o
seriado sobre a Casa Branca que spoilou a realidade ao
antever a eleição de Barack Obama) e protagonizado por
Jesse Eisenberg (herói dos melhores hits discretos de
2009, "Zombieland" e "Adventureland"), além do cantor
Justin Timberlake e dos bons novatos Andrew Garfield e
Armie Hammer. Enquanto escrevo, surgem notícias
apontando o filme como forte candidato ao Oscar de 2011.
Mas como o excesso de expectativa costuma ser fatal para
qualquer obra, fui sem esperar nada.
E me impressionei. "A Rede Social", que chega aos
cinemas brasileiros no início de dezembro, é o filme
mais importante de 2010. E antes que os cinéfilos venham
atirar pedras, vale lembrar que "mais importante" não é
sinônimo de "melhor" (este posto continua com "Um Homem
Sério", dos Irmãos Coen). "A Rede Social" é o filme mais
importante do ano por fazer que Hollywood saia do casulo
sem assunto em que se fechou no início do século, quando
preferiu recriar universos mitológicos - seja de
super-heróis ou de livros clássicos - para voltar a
falar de algo que faça sentido para a vida de seu
público, reassumindo um papel que já foi seu mas que,
nos últimos dez anos, foi substituído pela TV.
Mas não é irônico que, para isso acontecer, o cinema
norte-americano tenha de falar da criação de um site de
internet?
Não. E não apenas pelo tema do filme ser um site com
meio bilhão de cadastrados, mas pelo fato de o cinema
finalmente reconhecer a importância do meio digital para
a história contemporânea. Hackers eram tratados como
seres mágicos, prontos para quebrar barreiras de
segurança sempre que o herói do filme, frequentemente
avesso às novas tecnologia, se via diante de um
computador.
Mas se antes isso era exceção, agora não é mais:
vivemos em um mundo digital e é ridículo pensar que a
única obra cinematográfica feita sobre este universo
seja um filme feito para a televisão ("Piratas do Vale
do Silício", de 1999, sobre a rusga de Bill Gates e
Steve Jobs).
"A Rede Social" parte do princípio de que o Facebook
é tão importante hoje quanto os jornais foram no tempo
em que "Cidadão Kane" foi feito por Orson Welles - a
comparação é do próprio Fincher, que chama o filme de "o
Cidadão Kane da geração John Hughes" - e para entender
as motivações por trás desta nova mídia, foi preciso
entrar na mente de seu criador. Mas ao contrário de
Welles, que pintou seu William Randolph Hearst (o Kane
original) com tons amarronzados de jornalismo barato,
Fincher preferiu fixar-se no paradoxo de que a
ferramenta mais popular de interação em tempos de
internet ter sido criada por um hacker antissocial.
Juntos, diretor, roteirista e ator criam um Zuckerberg
frio, robótico, ríspido, automático; um ser humano
falho, mas uma máquina de programar - e programar tudo.
E, como havia feito em "Zodíaco", prefere não desvendar
o mistério, apenas ampliá-lo. Quando o filme termina ao
som de "Baby You're a Rich Man" dos Beatles, com
Zuckerberg dando reload em uma página do Facebook,
sabe-se tanto sobre o Cidadão Zuck quanto se sabia antes
do início do filme.
E não pense que "A Rede Social" é um caso isolado. Um
filme sobre o Google já está sendo produzido e não
duvide que, em breve, possamos assistir à vida de Steve
Jobs no cinema. Com Tom Hanks, como sugeriu minha mulher
ao final da sessão, no papel do pai da Apple.