São Paulo, 28 (AE) - Quando era adolescente,
Luciana Haill teve uma meningite viral. E foi por causa
da dor de cabeça provocada pela doença que ela voltou a
atenção pela primeira vez para seu cérebro. "Fiquei
obcecada em imaginar o que estava acontecendo na minha
cabeça", diz a britânica de 37 anos.
Luciana se recuperou da doença, mas nunca mais parou
de prestar atenção no cérebro. Fez disso uma profissão.
E não, ela não é neurologista nem psiquiatra. É artista.
E transforma as ondas cerebrais em música.
O processo começa com o IVBA (Interactive Brainwave
Visual Analyser), aparelho de eletroencefalograma que
gera uma visualização em 3D a partir das ondas
cerebrais. Luciana - ou um voluntário disposto a,
literalmente, abrir a cabeça - fixa os sensores e
relaxa. Os pensamentos viram ondas em três dimensões,
que são transformadas em sons orgânicos por um software.
E que tipo de som o cérebro produz? "São muito
subjetivos", explica Luciana. Nas apresentações, ela
seleciona alguns samplers e deixa todo o trabalho de
acionar o volume e a sobreposição de sons ao efeito do
cérebro. "Imagine que é como tocar teremins", diz ela,
fazendo referência ao instrumento russo da década de 20,
muito usado pelos Mutantes, que cria sons com o
movimento das mãos no ar. "A performance é como uma
tecelagem transitória por pensamentos, com múltiplos
teremins aparecendo fantasmagoricamente."
Luciana parece uma pin-up ciborgue. Estudou artes na
faculdade em Londres, mas foi o curso de arte interativa
do pioneiro Roy Ascott - que faz arte cibernética desde
os anos 60 - que "mudou sua vida". Outra referência foi
Marvin Minsky (co-criador do laboratório de inteligência
artificial do MIT), que se comunicava com ela por meio
do sistema rudimentar de e-mails Janet, do inicio dos
anos 90. Mas sua pesquisa ganhou um novo sentido ao
descobrir a arte de dentro do cérebro. "Os
eletroencefalogramas são tão bonitos. São como corais e
rostos. Cada um é diferente", diz.
MÃO NA MASSA
Ela guarda várias impressões de imagens do seu
cérebro tiradas quando foi voluntária de um teste com
ressonância magnética. Foi em 1995, porém, que resolveu
construir seu próprio aparelho para investigar o
cérebro. Seguiu as instruções de revistas para
eletricistas amadores dos anos 80 e tentou fazer um
detector simples de ondas Alpha (as mais lentas, que
aparecem em estados mais relaxados). "Se você fechasse
seus olhos, ele fazia um bip! Claro que não era
sofisticado o suficiente para as minhas necessidades
como artista", ri. "Então, eu achei esse sistema IVBA
nos EUA. Usei para fazer meu trabalho de conclusão na
graduação." Hoje, além de usar os scanners em seu
trabalho como artista, ela criou uma empresa para vender
o aparelho.
O IVBA foi desenvolvido no Japão por Masahiro Kahata,
a quem Luciana define como amigo. O aparelho é usado
para pesquisas em várias universidades, e também é útil,
diz Luciana, para técnicos de esporte, hipnoterapeutas,
treinadores de programação neurolinguística, médicos do
sono, além dos artistas visuais e músicos.
RUMO AO INCONSCIENTE
As formas em três dimensões, para Luciana, são
"análogas à escrita e à música". "Os padrões têm
diferentes formatos e velocidade. O EEG se tornou o meu
Paintbrush". Os pensamentos, porém, não são constantes -
e cada alteração provoca sons diferentes. Por isso, nada
como uma mente com padrões diferentes para gerar uma
música singular, certo? É isso que Luciana faz. Ela tem
interesse em alterações de consciência. Foi ao Havaí
estudar a técnica de sonhos lúcidos de Stephen LaBerg,
que permite às pessoas experimentarem conscientemente
universos fantásticos durante o sono.
A artista também provoca padrões de pensamento
diferenciados usando a Dream Machine, máquina
desenvolvida nos anos 50 que provoca hipnose através de
padrões de luzes piscantes (há, inclusive, uma versão
online desse sistema). As luzes estroboscópicas induzem
as ondas alfa e teta do cérebro, responsáveis por
"introspecção, devaneio e hipnose". O sistema, porém,
não serve para todos. "Eu sempre aviso o público: não
deixe os olhos abertos na sala se for suscetível a
epilepsia".
Nas apresentações, o voluntário instala os sensores
eletromagnéticos na cabeça e se deixa levar pela
"máquina dos sonhos". "Nós todos ouvimos em tempo real
os sons se alterando conforme sua entrada no estado
hipnótico", diz Luciana. "Eu convido a audiência a
participar e me autorizar a enviar as ondas produzidas
por seu cérebro à galeria", explica. O resultado disso
está no MySpace.
O novo projeto de Luciana é The Dream Machine, música
feita sobre as gravações do escritor veterano Brian
Barritt (amigo de Timothy Leary que, aliás, já
experimentou a engenhoca). Também está focada em
projetos sobre consciência fora do corpo.
Transitando no limite entre arte e ciência - e,
claro, experimentação -, Luciana ainda faz parte do
Institute of Unnecessary Research (Instituto da Pesquisa
Desnecessária), que reúne artistas e pesquisadores de
áreas alternativas. Não por acaso, o lema do Instituto é
a frase de Albert Einstein: "Se nós soubéssemos o que
estávamos fazendo, aquilo não seria chamado de pesquisa,
seria?".